Como reduzir custos através da qualidade

Um dos obstáculos mais importantes que bloqueia o estabelecimento e consolidação de programas de qualidade nas empresas é a idéia errônea de que a alta qualidade significa necessariamente alto custo. O empresário fala muito em elevar a qualidade de seus produtos mas, na hora de por a mão no bolso, o investimento é bloqueado pelo medo de não haver retorno rápido. “Sem dúvida que queremos a qualidade, mas agora estamos em crise e temos coisas mais importantes para pensar. Quando a crise passar, aí sim, vamos investir em qualidade”. Quem ainda não ouviu essa estória?

A associação entre qualidade e alto custo vem do senso comum, o qual nos diz que um produto barato é de baixa qualidade e que produtos de boa qualidade são os mais caros. A tese contrária, no entanto, também é do senso comum: “O barato sai caro!”. Comprar da marca “o-mais-barato” sempre acaba gerando dor de cabeça. Alta qualidade não significa alto custo. Alta qualidade é o caminho para reduzir custos!

Qualidade e perda

Chamemos Tagushi […] a esclarecer essa aparente contradição entre preço e qualidade. O guru japonês irá dizer que o preço representa para o consumidor uma perda na hora da compra e a baixa qualidade representa uma perda adicional para ele durante a utilização do produto. O importante, no caso, é analisar a perda total. Por isso, Tagushi ensina que a qualidade de um produto é identificada como aquelas suas características que reduzem a perda total para o consumidor. Em outras palavras: qualidade é a crítica científica da má-qualidade. O consumidor, tendo comprado um produto mais barato, porém de qualidade inferior, terá maiores perdas com quebras e defeitos, e ainda que este esteja na garantia, as perdas continuarão, decorrentes da não-utilização. Tendo investido pouco em qualidade, o consumidor terá alta perda devida à má-qualidade e o resultado líquido será uma perda total desvantajosa.

Em uma empresa de qualidade insatisfatória, o que ocorre é semelhante. A empresa malversa seus recursos, desperdiçando material, depreciando seus equipamentos, jogando fora o potencial de sua mão de obra, sub-utilizando a informação disponível. Tudo isso significa alta perda. O empresário que contrata profissionais medíocres por salários aviltantes e só compra equipamento e peças de reposição da marca “o-mais-barato” realmente gasta pouco, mas em compensação sempre tem prejuízos decorrentes de erros operacionais, quebras de equipamentos, atrasos e paradas de produção, resultantes justamente da atividade profissional medíocre e baixa confiabilidade de seu equipamento. Novamente, vemos que um baixo investimento em qualidade acarreta altas perdas devido à má-qualidade, resultando uma perda final insatisfatória.

Se o consumidor compra de tal empresa, terá alta perda e diminuirão seus recursos para investir em qualidade na próxima compra. Deixará de comprar a marca “o-mais-barato” e comprará “mais-barato-ainda”, incorrendo em novas perdas ou adiará a nova compra. De qualquer forma, a empresa também perderá. Esse ciclo vicioso percorre várias vezes o sistema empresa-consumidor e o resultado é que também para a sociedade a perda total é alta quando a qualidade é baixa.

Uma empresa que trabalhe com alta qualidade, por outro lado, utiliza racionalmente seus recursos e suas perdas totais são baixas. O empresário que contrata gente competente não poderá pagar salários aviltantes e a compra de equipamentos de marca confiável irá lhe custar um pouco mais. Ocorre que a empresa irá funcionar melhor, não lhe dará prejuízos e seu ganho total será maior. Mesmo que seu produto não seja “o-mais-barato”, será economicamente melhor para o cliente utilizar esse produto pois seu custo total, de aquisição e de uso, é o mais baixo. Investindo em qualidade, o consumidor terá menos perdas com má-qualidade, resultando num ganho total. Serão maiores seus recursos para fazer uma próxima compra de qualidade. A empresa será lembrada e ganhará de novo. O ciclo positivo percorre o sistema empresa-consumidor várias vezes e a boa qualidade resultará numa baixa perda total para a sociedade, num ganho maior para todos.

Decorrente desse raciocínio, conclui-se que a única maneira da empresa vencer a crise é invertendo o ciclo das perdas. Isso só se consegue investindo em qualidade. Não se pode esperar a crise passar para investir em qualidade. É o único caminho para sair da crise!

Retorno sobre a qualidade

Vamos introduzir a linguagem do dinheiro na área da qualidade. Perdas em uma empresa sempre resultam em maiores custos operacionais, ou seja, a não-qualidade tem um custo operacional preciso. Se a empresa investe na qualidade (de forma séria e não ISO-171), irá reduzir seu nível de perdas e o retorno do investimento em qualidade virá através da redução daquela parcela dos custos operacionais que decorrem da má-qualidade. Essa tese está no terreno do “óbvio teórico”. Para demonstrar sua validade prática temos que estabelecer um modo de calcular mês a mês os custos operacionais da má-qualidade bem como os custos operacionais da qualidade.

A função qualidade de uma empresa pode ser definida como um conjunto de atividades que abrange todos os setores da empresa – de forma direta e indireta – com o objetivo de melhorar a qualidade do produto final e manter consistente essa melhoria. A função qualidade abrange toda a empresa, pois a qualidade é tarefa de cada um. Não pode ser confundida com o departamento da qualidade, que desenvolve meios e técnicas de qualidade nos produtos e serviços, e os coloca à disposição de todos, para que o esforço da qualidade seja eficiente e produtivo.

A função qualidade, enquanto conjunto de atividades, custa dinheiro, ainda que tais custos fiquem espalhados pelos vários departamentos da firma. Os custos totais operacionais da qualidade, no entanto, não representam apenas a soma de dinheiro gasto pela função qualidade. Não são apenas os elementos que têm ação positiva sobre a qualidade que geram custos. Tudo o que é negativo e destruidor para a qualidade também gera custo e, na maioria das vezes, custos maiores do que é gasto positivamente. Os custos operacionais totais da qualidade podem ser definidos como tudo o que é despendido pela função qualidade somado aos custos resultantes do que ocorre quando essa função falha. Como fica evidente, tais custos transcendem em muito os do departamento da qualidade.

Custos operacionais da qualidade e da má-qualidade

A partir dessa definição inicial, podemos dividir os custos operacionais da qualidade em quatro grandes categorias. Os custos que aparecem quando a função qualidade falha podem ser divididos em custos de falhas internas e custos de falhas externas, de acordo com a situação do produto no instante da falha, se dentro da empresa ou após ter sido vendido aos clientes. Os custos da função qualidade, por seu lado, podem ser divididos em custos de prevenção, que englobam tudo o que é feito para prevenir defeitos e custos de avaliação, que reúnem os esforços despendidos para remover do processo os produtos defeituosos.

Apenas os custos de prevenção podem ser literalmente identificados como custos da qualidade. Os custos de falhas, tanto as internas como as externas, devem, por uma razão de justiça, ser definidos como custos da má-qualidade. Igualmente os custos de avaliação, que decorrem da necessidade de separar o ruim do bom, também devem ser definidos como custos da má-qualidade. Embora tenham sido gerados pelas atividades da função qualidade, tais custos só passaram a existir em conseqüência de falhas terem ocorrido.

Falhas são um fenômeno aleatório. Ninguém decide quando uma falha vai se dar em uma empresa. Se um determinado conjunto de causas se acumula por um sem número de motivos, uma falha simplesmente ocorre e gera suas conseqüências. Associados à ocorrência de falhas, os custos da má-qualidade são também aleatórios, não são diretamente controláveis. A prevenção, por seu lado, é uma atividade decidida por alguém, daí que seus custos estão sempre sob algum tipo de controle. O que significa dizer que os custos da qualidade são controláveis.[…]

Política da qualidade e redução de custos 

A afirmação de que os custos da má-qualidade não são controláveis não pode ser tomada ao pé da letra. Se uma falha individual é um fenômeno aleatório, o nível médio de falhas pode ser controlado de alguma forma. Para uma falha ocorrer, basta que um determinado número de causas ocorra simultaneamente, mas as causas das falhas dependem elas próprias de um certo número de circunstâncias que determinam o nível médio de falhas. Tais circunstâncias não são nada misteriosas: tratam-se justamente da prevenção às falhas.

Toda a atividade de prevenção visa justamente controlar o nível médio de falhas. A qualidade é a negativa da má-qualidade. Conclusão: os custos de prevenção são o principal fator de controle sobre os custos das falhas, ou é através dos custos da qualidade que podemos controlar os custos da má-qualidade.

Controlando adequadamente os custos da qualidade, é possível controlar também os níveis de custos da não-qualidade. Aumentando a prevenção, diminuem as falhas. Logo, chegamos novamente ao ponto: um aumento planejado e controlado nos custos operacionais da qualidade acarreta redução dos custos operacionais sem controle decorrentes da má-qualidade, resultando num menor custo operacional total da qualidade.

Até aqui, demonstramos a tese no papel (que aceita tudo!). Como demonstrá-la na realidade industrial? Expressando a qualidade em termos monetários! Uma tarefa nada fácil. A contabilidade de custos tradicional nasceu de uma adaptação da contabilidade comercial para a indústria e não custeia a qualidade. Existem os custos do departamento da qualidade, mas os custos associados à qualidade estão espalhados entre várias contas, especialmente as relativas às “despesas gerais”.

Mesmo não sendo fácil, essa tarefa é de extrema importância para o profissional da qualidade. Quem decide a política de qualidade de uma empresa é quem assina os cheques, aprovando também a política de custos: a diretoria ou o empresário. Se o profissional da qualidade quer conquistar investimentos na qualidade, terá que saber calcular o retorno desses investimentos, para convencer quem detém o poder de assinar os cheques. Mas não só. Terá que demonstrar que a melhor polícia de custos de uma empresa é a política de investir em qualidade para obter retorno com a redução de custos da não-qualidade. Essa demonstração terá que ser feita na linguagem do dinheiro, a única maneira de se obter comunicação eficaz com a diretoria ou com o empresário.[…]

Redução de custos através da qualidade

A experiência demonstrou que os custos operacionais totais associados à qualidade e à sua falta são bem maiores do que parecem ser à primeira vista. Na maioria das companhias que não possuem a função qualidade estruturada, tais custos variam de 10% a 40% do total das vendas, sendo em sua quase totalidade oriundos da má-qualidade.

Tais custos, normalmente, são incorporados aos padrões de operação, não aparecem e ninguém fala deles, até por medo. Mas, em sua maior parte, são evitáveis se atacados de forma organizada e sistemática. Aplicando no chão-de-fábrica a ferramenta de redução que são as contas de custos da qualidade e da má qualidade, o profissional terá a oportunidade de afirmar na prática a tese: Investir em qualidade é trabalhar com custos controláveis para obter retorno com a redução dos custos da não qualidade, os quais normalmente estão fora de controle.

De onde retornamos ao começo: “O barato sai caro!”. Alta qualidade não significa alto custo. Alta qualidade é o caminho para reduzir custos!

Fonte: FROTA, Álvaro. Como reduzir custos através da Qualidade. In: O Barato sai caro. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999

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